terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Hedwig and the Angry Inch



Hoje vou falar de um musical PESADO, que descobri por acaso e para o qual não dei nada. Logo nas primeiras músicas (que na maioria das vezes são parte do repertório do show de Hedwig and the Angry Inch) já me endireitei na cadeira e comecei a prestar mais atenção.
 Nesta que separei, eu já havia me apaixonado pelo musical. Porém, a história só evolui mais pra frente, e aí me apaixonei de novo, mas desta vez pelo filme como um todo.

Logo no começo de Hedwig and the Angry Inch, nos deparamos com Hedwig, uma mulher linda, poderosa e que canta muito. Logo depois da primeira música, já percebemos que Hedwig é perturbada pela existência de um tal de Tommy Gnosis (mais pra frente falaremos melhor dele), que apresenta as músicas de Hedwig como se fossem dele. Ele está sendo processado por ela, e a banda de Hedwig está fazendo sua turnê baseada na dele.

Yitzhak é parte da banda e atual marido de Hedwig. Durante o filme vemos ela o mal tratando várias vezes, e o relacionamento deles é complicado e cheio de mágoas. Acredito que Yitzhak só continuou ao lado de Hedwig por sentir que não tinha outra opção, já que era um imigrante casado com uma cidadã americana. Também fica bem claro, sempre, que Yitzhak gostaria de se travestir, o que Hedwig não aceita.

SPOILER ALERT!

Conforme Hedwig nos conta sua história, passamos a conhecer Hansel, um garoto alemão que cresceu do lado oriental de Berlin nos anos 60/70.


Filho de uma mãe alemã comunista e de um pai militar americano (que a mãe mandou embora por achar que abusava de seu filho), Hansel era um menino inteligente e apaixonado por música, que passava a maior parte de seu tempo ouvindo a rádio das forças armadas americana (com a cabeça enfiada num forno, pois só assim a mãe o deixava).






Hedwig conta que na última metade dos anos 80, ela, na época ainda ele, havia sido mandado embora da faculdade após entregar um trabalho brilhante sobre a influência agressiva da filosofia alemã no Rock’n’Rol, cujo título era “You, Kant, Always Get Wat You Want”. Com 26 anos sua carreira acadêmica havia acabado, ele ainda morava com a mãe e nunca havia beijado um homem. A cada dia sentia mais e mais desespero para se libertar e sair da Berlin comunista. Mas como? As pessoas morriam tentando...

Um dia, Hansel estava tomando sol e isto aconteceu:
Pode-se dizer que foi o que mudou sua vida, mas não necessariamente para melhor.


Com Luther, Hansel finalmente tinha esperanças de conseguir sair do lado oriental de Berlin. Sua mãe apoiava o relacionamento, e eles iam se casar. Sua mãe, chamada Hedwig, deu seu passaporte para o filho, e eles atualizaram a foto com uma do Hansel usando peruca. Porém, tanto Luther quanto sua mãe garantiram que ele só conseguiria sair de lá se ele abrisse mão de seu pênis. Se sentindo pressionado e sem alternativas, Hansel se submete à cirurgia. Cirurgia, esta, que não foi um sucesso, e nem de perto foi uma mudança de sexo. Pelo o que entendemos no filme, eles simplesmente cortam o pênis e os testículos fora, deixando ainda alguns centímetros (the angry inch).


Recém casados, mal chegaram aos Estados Unidos e Luther foi embora com um garoto, deixando Hedwig sozinha em um trailer no Kansas. Abandonada, tendo que aceitar seu novo gênero que foi escolhido por outros para si, Hedwig sofre ao ver que tudo que deixou para trás foi em vão, afinal o muro foi derrubado e seu amor acabou. O que lhe restou foi a solidão e a necessidade de se aceitar. Esta aceitação é retratada no filme com a relação de Hedwig com suas perucas.


Mostrando a luta pelos direitos autorais das músicas de Tommy Gnosis, Hedwig continua contando sua história. Sozinha, abandonada em um trailer num país que não é seu, Hedwig sobrevive trabalhando como babá, se prostituindo e fazendo qualquer trabalho que aparecesse. Hedwig conta também que havia voltado a se dedicar à sua paixão: música. Com uma banda de mulheres coreanas, Hedwig conseguia fazer covers e mostrar suas composições próprias, mas sempre em shows pequenos em lanchonetes ou bares.

Foi nessa época que Hedwig conheceu Tommy, um adolescente de 17 anos que adorava rock. Ela se encanta com ele, e aos poucos eles começam um relacionamento.



Ela passa todo seu conhecimento musical para ele, eles começam a se apresentar juntos e começam a ganhar dinheiro com música. Hedwig, então, começa a se dedicar completamente a isso.

Porém, em meses de relacionamento, além de Hedwig e Tommy nunca terem se beijado, ele ignora completamente a parte da frente de seu corpo. Até que um dia acontece, e o momento do beijo é mágico para os dois. Mas, apesar da empolgação inicial, quando Tommy sente a cirurgia mal feita de Hedwig, ele parece ficar com medo e foge. E assim acaba o relacionamento dos dois.

  


Voltando aos dias “atuais”, vemos o momento em que Hedwig surta e abre mão de tudo que tem. Yitzhak, cansado dos abusos, começa a correr atrás de sua carreira, e consegue o papel de Angie na turnê eslava de Rent. Quando ele confronta Hedwig, pede divórcio e diz que vai embora, ela mostra sua pior face e destrói o passaporte do marido. Com essa atitude, Hedwig perde qualquer apoio que tinha da banda ou da assistente, que pediu demissão logo em seguida.

Sozinha novamente, desta vez em Nova York, Hedwig passa a se prostituir para sobreviver. Até que um dia uma limosine pára em seu ponto. De dentro, sai um Tommy Gnosis estendendo a mão para Hedwig entrar. Na limo, ele passa um CD dele para ela, com a autoria das músicas atualizadas a caneta no verso, incluindo o nome de Hedwig.


Depois do acidente, Hedwig fica famosa (afinal, era uma mulher trans numa limosine com um músico famoso. Como se não bastasse, ela o estava processando por plágio), e com a fama sua banda e sua assistente voltam. Em sua primeira apresentação depois do acidente, Hedwig surta e destrói os instrumentos, se despe, tira a peruca e foge. Na verdade, esse surto não foi necessariamente externalizado. Pode ter sido só a epifania de Hedwig, e pode ter acontecido só em sua mente. Mas, a partir do momento que ela se despe, tira o sutiã, a peruca e incorpora o Hansel, é como se ele se libertasse daquela figura que impuseram a ele.

Então há esta cena com o Tommy, cantando uma alteração de uma música que Hansel compôs.


Assim, Hansel se liberta de Tommy e de si mesmo. Agora falta ele libertar seu marido, Yitzhak.


EDIT 04/12/2017: Quando escrevi este texto, meu conhecimento era muito vago. Continua sendo, claro, mas agora eu consigo entender melhor. Eventualmente irei revisá-lo, pois não acho que Hensel/Hedwig fosse uma mulher trans. Acho que essa personalidade Hedwig, mesmo que vivida por tantos anos, foi imposta, não natural. Hensel pode ser não binário, ou homem cis, não necessariamente uma mulher trans.
07/06/2020: Inclusive é necessário rever os relacionamentos abusivos que são expostos. É complicado romantizar o que ele viveu com o sugar daddy, ou o relacionamento dele com o Tommy, enquanto este ainda era adolescente. Entre outros. Muitas coisas a serem revistas neste review, mas o filme continua sendo uma grande recomendação minha. Anos pensando e aprendendo com ele.