segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Diário vegetariano: 1- A epifania.

          Há duas semanas eu vi um vídeo que me comoveu muito: https://www.youtube.com/watch?v=BZPZD1JV5QQ
          O vídeo é sobre chipanzés que reencontram, 18 anos depois, a mulher que os reabilitou após passarem 6 anos em cativeiro, em um laboratório. 6 anos sem luz do sol, uma vida sem pisar na terra e respirar ar puro. Foi quando eu pensei nos animais amontoados, dormindo, comendo, vivendo e morrendo em espaços minúsculos, literalmente na bosta. Nascem e morrem só conhecendo dor e bosta. Então o que eu sempre soube que iria acontecer, aconteceu: O momento da epifania!     
        Finalmente me vi lutando contra minha hipocrisia e meu egoísmo. Há anos eu decidi fechar os olhos e comer animais mortos como se fosse OK, mas há uma década eu já sabia que não era OK. Em algum momento, de meus anos vegetarianos na adolescência até agora, eu desisti. Desisti e cedi ao fácil. Só a crueldade já seria o bastante para me fazer acordar, mas de alguma forma o desânimo e a desilusão me venceram, e por anos cedi calada. Mas ultimamente tenho refletido muito. Especialmente sobre a morte. A morte e a vida.
         Os últimos anos têm sido anos de amadurecimento, crescimento e autoconhecimento. Foram tempos marcados por dor e morte. Ainda são, com toda a situação do Banzah. É como se eu sentisse, agora, a responsabilidade por todas as carcaças que eu ingeri ao longo de minha vida. Então, simples assim, chegou a hora de mudar! Mas, diferente de como foi quando eu morava na casa de minha mãe, e a santa Vilma fazia almoço todo dia, para cortar os defuntos da minha dieta hoje, eu preciso de planejamento.



        Me parece a corrupção máxima humana, num nível quase diabólico, vivermos desde crianças nos fazendo dependentes de uma dieta baseada na morte. Literalmente, nos alimentando da carcaça de animais. Se você pensar bem, chega a ser macabro.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Feminismo não é ódio, feminismo é empatia.

         Eu tenho visto uma tendência muito grave nas redes sociais de algumas mulheres inteligentes e feministas agindo como se quisessem se igualar aos machinhos machistinhas bostinhas. Frequentemente vejo algum post foda, relatando algum caso sério (que poderia servir para uma análise mais profunda da situação da nossa sociedade machista e como ela afeta mulheres e homens), e quando vou sedenta aos comentários, vejo várias mulheres atacando aos homens de forma muito generalizada e ofensiva. Sexismo puro. Sabe quando falam que mulher só sabe dirigir fogão? Então, toda mulher sente uma revolta dentro de si ao ouvir essas palavras. Como vocês acham que os homens que tentam ser decentes se sentem quando dizem que TODO homem é fdp, ou que TODO homem é lixo, ou que TODO homem é um estuprador em potencial? A verdade é que as coisas só estão assim pois a sociedade até hoje sempre viu homem como homem, mulher como mulher, gay como gay, negro como negro, enquanto só deveria se preocupar em ver gente como gente. Mas não, muita gente é tratada como lixo, muita gente é menosprezada, subestimada, calada, abusada, maltratada.  Quem não consegue ter essa visão de que somos todos meros humanos, iguais em essência, usa “desculpas” esfarrapadas para seu ódio (“ah, seu viado, vai dar o cu”, “mulher no volante, perigo constante”, etc.).        Quem não consegue sentir empatia por quem é de outra cor, outro gênero, outra orientação sexual, acaba se tornado o tão odiado HATER.
       Quem nasceu com vagina cresceu ouvindo haters hating. Toda mulher já ouviu que seu lugar é na cozinha, mesmo que tenham falado “brincando”. Toda mulher já foi objetificada por homens. Toda mulher já teve medo de ser estuprada ao andar sozinha em algum lugar deserto. Toda mulher cresceu sofrendo lavagens cerebrais, dentre elas de que um filho é responsabilidade maior da mãe do que do pai. Toda mulher já se martirizou tirando as sobrancelhas, fazendo depilação ou aguentando algum evento interminável sobre saltos altíssimos (mesmo que uma vez na vida tenha bastado para aprender que dor nenhuma vale a pena se for SÓ pra ficar mais atraente para a sociedade. Minha avó dizia que às vezes, para a mulher ficar bonita, ela precisa sofrer. Nunca tive a oportunidade de perguntar, mas bonita pra quem?). Enfim, toda mulher já passou maus bocados por causa do machismo e da tendência que nossa sociedade tem em querer calar, ao invés de ensinar, em restringir mentes, ao invés de ampliá-las. Mas isso não dá direito às mulheres de serem cuzonas. Na boa, eu acho muito grave a mulherada dizendo que todo homem é um estuprador em potencial. Ou falando que homem é ruim, homem é egoísta, homem é violento, homem é agressivo...  Muitos homens são tudo isso, assim como eu conheço mulheres agressivas, mulheres más, mulheres egoístas... Enfim, a ruindade, assim como a bondade, é parte do ser humano, e não de um gênero.
         O que podemos analisar é o fato de mulheres e homens crescerem na mesma sociedade machista, uma sociedade que interage de forma preconceituosa com cada indivíduo, prevendo gênero, cor, orientação sexual, renda, linguajar, vestimenta, várias coisas. Essa sociedade (leia-se família, vizinhos, professores, colegas, desconhecidos no metrô, etc.) trata as pessoas, desde bebês, de formas diferentes dependendo do órgão sexual com que nasceram. Meninos crescem tendo que suprir uma cobrança dos pais para serem machinhos machistinhas nojentos.
          É muito comum, desde criança, o pai passar a mão na cabeça do menino “namorador” (o que é ridículo, afinal criança não namora, criança brinca), falar que homem não chora, falar das “vagabundas”, objetificar toda mulher que vê, realçando as “qualidades” pro filhão entender como funciona ser machão machistinha de merda. E quer saber? A maioria dos machos se acomoda. É bem cômodo viver numa sociedade que passa a mão na sua cabeça sempre. Numa realidade em que mamãe vai sempre fazer sua comidinha, até você casar... aí é a “sua mulher” (olha só quanta posse nessa expressão) que vai te alimentar, cuidar de você, das suas coisas, da sua casa, dos seus filhos. E o homem? Ao homem cabe proteger a família, assistir futebol e beber a cervinha depois do trampo, afinal homem também é filho de deus (“amooor, aproveita que você tá na cozinha terminando o jantar e traz uma cervejinha pra mim, traz?”).
          Mas nós, feministas, não nos conformamos com esse “ideal” descrito acima. Graças à muita luta de várias gerações, hoje a sociedade é bem mais suportável para a mulher. Como já disse, continuamos sofrendo assédios (muitas vezes graves), ouvindo piadinhas escrotas, sofrendo imposições estéticas com requintes de tortura, e tendo nossos mamilos ao mesmo tempo censurados e objetificados (apesar de serem exatamente iguais aos mamilos masculinos). Ainda está longe do ideal, mas pelo menos hoje o homem que bate na companheira em casa, quando exposto, é malvisto e pode ir preso. O estuprador idem. (Devemos lembrar que até pouco tempo não existia no Brasil leis que defendessem as mulheres da violência doméstica, e até outro dia os pais de uma menor estuprada podiam obriga-la a casar com o estuprador para manter seu nome “limpo” e evitar cadeia ao criminoso*). Na verdade, ganhamos várias batalhas, e a situação feminina melhorou muito, comparada ao que era.
         Porém, com toda essa revolta (não só histórica, mas por tudo que fomos submetidas desde que nascemos), é preciso tomar muito cuidado para não nos tornarmos “iguais” aos machistinhas de merda que tanto odiamos. Os homens, apesar da criação bem bosta que a maioria teve, são só pessoas. Pessoas, que como nós mulheres, sofreram lavagem cerebral desde que nasceram. A maioria dos homens com quem eu tenho contato está cada vez mais atenta aos seus hábitos machistas, está cada vez mais atenta às injustiças e às merdas que outras pessoas fazem/falam. Essa maioria com quem tenho contato se esforça todo dia pra não ser um machinho machistinha de merda, e se todos os homens se esforçassem assim, a sociedade já seria melhor do que é. Mas ao xingarmos e excluirmos essas pessoas conscientes, estamos excluindo possíveis aliados nessa batalha.
        Pense num homem que tenta ser uma pessoa melhor a cada dia, que trata as mulheres com respeito, que tenta conscientizar os amiguinhos menos esclarecidos sobre suas atitudes machistas. Aí ele está lá, lendo os comentários de um texto feminista fodão com o qual ele concordou com todas as palavras, e se depara com comentários extremamente sexistas, generalizando todos os homens e esquecendo que eles, como nós, são meros humanos, cheios de defeitos, perdidos e aprendendo toda hora.  Aí esse cara legal, cabeça aberta e feminista, se vê colocado no mesmo patamar de um estuprador, de um agressor ou mesmo daquele primo idiota que só fala bosta, pelo simples fato de ter um pênis. Eu, no lugar desse homem, sentiria raiva dessas mulheres. Assim como eu, mulher, sinto raiva das pessoas que falam alguma bosta generalizando as mulheres (como quando meu ex-chefe falou que uma empresa só com mulheres é difícil porque mulher fofoca muito e trabalha pouco. OI?)
         Esse homem, que mesmo entendendo o motivo da revolta das mulheres nos comentários, acaba se sentindo excluído da luta, e pior, sendo visto como o inimigo (sendo que a luta feminista não é contra os homens, e sim contra a sociedade e seus valores ultrapassados). Esse homem, se não for muito resiliente, tende a abandonar o feminismo e voltar à sua posição confortável de machinho – e muitas vezes machistinha. Como isso ajuda a sociedade a se tornar uma sociedade melhor? Não ajuda. Só a estagna nesse momento bem bosta em que vivemos.
         Então, queridas e adoradas feministas, vamos lembrar que nossa luta também é pela empatia, e não é abrindo mão dela ao confrontarmos os homens que vamos melhorar nossa sociedade.






*Uma matéria que me chocou muito quando li há foi uma semelhante a esta, do BBC Brasil: http://soumaiseu.uol.com.br/noticias/solidariedade/fui-obrigada-a-casar-com-o-meu-estuprador-aos-13-anos.phtml#.WYIw0ogrKUk